Sinto-me honrado por estar na cidade atemporal do Cairo e de ter como anfitriãs duas instituições notáveis. Por mais de mil anos, Al Azhar tem se erguido como farol do conhecimento islâmico, e há mais de um século a Universidade do Cairo vem sendo uma fonte do avanço do Egito. Juntas, vocês representam a harmonia entre tradição e progresso. Estou grato por sua hospitalidade e pela hospitalidade do povo do Egito. Também tenho o orgulho de carregar comigo a boa vontade do povo americano e uma saudação de paz das comunidades muçulmanas em meu país: assalaamu alaykum.
Encontramo-nos num momento de tensão entre os Estados Unidos e muçulmanos em todo o mundo --tensão que tem suas raízes em forças históricas que extrapolam qualquer debate político atual. O relacionamento entre o islão e o Ocidente inclui séculos de coexistência e cooperação, mas também conflitos e guerras religiosas. Mais recentemente, a tensão foi alimentada pelo colonialismo, que negou direitos e oportunidades a muitos muçulmanos, e pela Guerra Fria, na qual países de maioria muçulmana com demasiada frequência foram tratados como representantes, sem consideração por suas próprias aspirações. Ademais, as mudanças abrangentes trazidas pela modernidade e a globalização levaram muitos muçulmanos a ver o Ocidente como sendo hostil às tradições do islão.
Extremistas violentos vêm explorando essas tensões numa minoria pequena, mas potente dos muçulmanos. Os ataques de 11 de setembro de 2001 e os esforços contínuos desses extremistas para praticar violências contra civis levaram alguns em meu país a enxergar o islão como sendo inevitavelmente hostil, não apenas à América e aos países ocidentais, mas também aos direitos humanos. Isso vem gerando mais medo e desconfiança.
Enquanto nosso relacionamento for definido por nossas diferenças, vamos empoderar aqueles que semeiam o ódio em lugar da paz e que promovem o conflito em lugar da cooperação que pode ajudar todos nossos povos a alcançar a justiça e a prosperidade. Esse ciclo de desconfiança e discórdia precisa acabar.
Vim para cá para buscar um novo começo entre os Estados Unidos e muçulmanos em todo o mundo; um que seja baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo; e um que seja baseado na verdade de que Estados Unidos e islão não são mutuamente excludentes e não precisam competir. Em vez disso, eles se sobrepõem e compartilham princípios comuns: princípios de justiça e progresso, de tolerância e da dignidade de todos os seres humanos.
Faço isso com a consciência de que a transformação não pode acontecer da noite para o dia. Nenhum discurso isolado será capaz de erradicar anos de desconfiança, nem eu, no tempo de que disponho, poderei responder a todas as perguntas complexas que nos trouxeram para este ponto. Mas estou convencido de que, para podermos andar para frente, precisamos dizer abertamente as coisas que temos em nossas corações e que com demasiada frequência são ditas apenas a portas fechadas. É preciso que haja um esforço sustentado para ouvirmos uns aos outros; aprendermos uns com os outros; respeitarmos uns aos outros, e buscar terreno comum. Como nos diz o Sagrado Alcorão, "Seja consciente de Deus e fale a verdade sempre". É isso o que procurarei fazer: falar a verdade ao máximo de minha habilidade, sentindo-me humilde diante da tarefa que temos pela frente e firme em minha crença em que os interesses que compartilhamos como seres humanos são muito mais poderosos que as forças que nos afastam.
Parte dessa convicção tem suas raízes em minha própria experiência. Sou cristão, mas meu pai veio de uma família queniana que inclui gerações de muçulmanos. Quando menino, vivi vários anos na Indonésia e ouvi o chamado do azaan ao raiar do dia e ao cair da noite. Quando jovem, trabalhei em comunidades de Chicago onde muitos encontravam dignidade e paz em sua fé muçulmana.
Como estudioso da história, também conheço a dívida que civilização tem com o islão. Foi o islão--em lugares como a Universidade Al Azhar-- que carregou a luz do saber ao longo de muitos séculos, abrindo caminho para o Renascimento e o Iluminismo na Europa. Foram inovações em comunidades muçulmanas que desenvolveram a ordem da álgebra; nossa bússola magnética e instrumentos de navegação; nossa maestria das penas e da impressão; nossa compreensão de como as doenças se espalham e de como podem ser curadas. A cultura islâmica nos deu arcos majestosos e torres que se elevam ao céu; poesia atemporal e música preciosa; caligrafia elegante e lugares de contemplação pacífica. E, ao longo de toda a história, o islão demonstrou em palavras e atos as possibilidades da tolerância religiosa e da igualdade racial.
Sei, também, que o islão sempre foi uma parte da história da América. O primeiro país a reconhecer o meu foi o Marrocos. Ao assinar o Tratado de Trípoli, em 1796, nosso segundo presidente, John Adams, escreveu: "Os Estados Unidos não têm em si nenhum caráter de inimizade com as leis, a religião ou a tranquilidade dos muçulmanos". E, desde nossa fundação, muçulmanos americanos enriqueceram os Estados Unidos. Eles lutaram em nossas guerras, serviram no governo, defenderam os direitos civis, abriram empresas, lecionaram em nossas universidades, se destacaram em nossas arenas desportivas, ganharam Prêmios Nobel, construíram nosso edifício mais alto e acenderam a tocha olímpica. E quando, recentemente, o primeiro muçulmano americano foi eleito para o Congresso, ele fez o juramento de defender nossa Constituição usando o mesmo Santo Alcorão que um dos fundadores de nosso país, Thomas Jefferson, guardava em sua biblioteca pessoal.
Assim, conheci o islão em três continentes antes de vir para a região onde ele primeiro foi revelado. Essa experiência guia minha convicção de que a parceria entre os EUA e o islão deve ser baseada no que o islão é, e não no que ele não é. E considero que é parte de minha responsabilidade como presidente dos Estados Unidos combater os estereótipos negativos do islão, onde quer que apareçam.
Mas esse mesmo princípio deve se aplicar às percepções muçulmanas da América. Do mesmo modo como muçulmanos não se enquadram em um estereótipo grosseiro, a América não é o estereótipo grosseiro de um império que apenas defende seus próprios interesses. Os Estados Unidos tem sido uma das maiores fontes de progresso que o mundo já conheceu. Nascemos de uma revolução contra um império. Fomos fundados com base no ideal de que todos são criados iguais, e derramamos sangue e lágrimas há séculos para dar sentido a essas palavras dentro de nossas fronteiras e em todo o mundo. Fomos moldados por todas as culturas, vindas de todos os cantos da Terra, e somos dedicados a um conceito simples: "E pluribus unum" -- "A partir de muitos, um só".
Muita coisa já foi dita sobre o facto de um afro-americano com o nome Barack Hussein Obama ter podido ser eleito presidente. Mas minha história pessoal não é tão singular. O sonho da oportunidade para todas as pessoas não se realizou para todos na América, mas sua promessa existe para todos os que chegam a nosso país. Isso inclui quase sete milhões de muçulmanos americanos em nosso país, hoje, que gozam de renda e educação acima da média.
Ademais, a liberdade, na América, é inseparável da liberdade de praticar sua própria religião. É por isso que existe uma mesquita em cada Estado de nossa União e que há mais de 1.200 mesquitas dentro de nossas fronteiras. É por isso que o governo americano foi ao tribunal para proteger o direito de mulheres e meninas usarem o hijab e para punir aqueles que gostariam de lhes negar esse direito.
Que não haja dúvida, portanto: o islão é uma parte da América. E acredito que a América encerra nela a verdade de que, independentemente de raça, religião ou status na vida, todos nós compartilhamos aspirações comuns de viver em paz e segurança; de ter acesso à educação e de trabalhar com dignidade; de amar nossas famílias, nossas comunidades e nosso Deus. Essas coisas nós compartilhamos. Essa é a esperança de toda a humanidade.
É claro que reconhecer nossa humanidade comum é apenas o começo de nossa tarefa. As palavras, por si sós, não podem atender às necessidades de nosso povo. Essas necessidades só serão atendidas se agirmos com ousadia nos anos que estão por vir; e se reconhecermos que os desafios que enfrentamos são comuns, e que nossa falha em fazer frente a eles vai prejudicar a nós todos.
Pois aprendemos com a experiência recente que, quando um sistema financeiro se enfraquece em um país, a prosperidade é prejudicada em toda parte. Quando uma nova gripe infecta um ser humano, todos estão em risco. Quando um país procura dotar-se de uma arma nuclear, o risco de ataque nuclear cresce para todos os países. Quando extremistas violentos operam em uma cadeia montanhosa, pessoas do outro lado de um oceano correm perigo. E, quando inocentes são massacrados na Bósnia e em Darfur, isso é uma mancha que macula nossa consciência coletiva. É isso o que significa compartilhar este mundo no século 21. É essa a responsabilidade que carregamos uns em relação aos outros, como seres humanos.
Esta é uma responsabilidade difícil de assumir. Pois a história humana frequentemente tem sido um registro de nações e tribos subjugando uns aos outros para atender a seus próprios interesses. Nesta nova era, porém, atitudes como essas derrotam seus próprios objectivos. Em vista de nossa interdependência, qualquer ordem mundial que eleve um país ou grupo de pessoas acima de outro fracassará inevitavelmente. Portanto, sempre que pensarmos no passado, não devemos ser prisioneiros dele. Nossos problemas precisam ser enfrentados através da parceria; o progresso precisa ser compartilhado.
Isso não significa que devamos ignorar as fontes de tensão. Na verdade, sugere o contrário: precisamos enfrentar essas tensões sem rodeios. E assim, dentro desse espírito, permitam que eu fale com a maior clareza e franqueza possíveis sobre algumas questões específicas que creio que finalmente precisamos enfrentar juntos.
A primeira questão que precisamos enfrentar é o extremismo violento sob todas suas formas.
Em Ancara, deixei claro que a América não está e nunca estará em guerra com o islão. Entretanto, vamos confrontar implacavelmente os extremistas violentos que lançam uma ameaça grave a nossa segurança. Porque rejeitamos a mesma coisa que todas as pessoas de todas as religiões rejeitam: a matança de homens, mulheres e crianças inocentes. E meu primeiro dever como presidente é proteger a população americana.
A situação no Afeganistão demonstra as metas da América e nossa necessidade de trabalharmos em conjunto. Mais de sete anos atrás, os Estados Unidos perseguiram a Al Qaeda e o Taleban com amplo apoio internacional. Não fomos lá por nossa própria escolha, fomos por necessidade. Tenho consciência de que algumas pessoas questionam ou justificam os acontecimentos do 11 de Setembro. Mas sejamos claros: a Al Qaeda matou quase 3.000 pessoas nesse dia. As vítimas foram homens, mulheres e crianças inocentes da América e de muitas outras nações, que não tinham feito nada para fazer mal a ninguém. No entanto, a Al Qaeda optou por assassinar impiedosamente essas pessoas, reivindicou o crédito pelo ataque, e até hoje declara sua determinação de matar em escala maciça. Ela tem filiados em muitos países e está tentando ampliar seu alcance. Essas não são opiniões a serem debatidas--são fatos que é preciso enfrentar.
Que ninguém se iluda: não queremos manter nossas tropas no Afeganistão. Não procuramos ter bases militares ali. É extremamente sofrido para a América perder nossos jovens, homens e mulheres. É custoso e politicamente difícil levar esse conflito adiante. Ficaríamos mais que felizes em trazer cada um de nossos soldados para casa, se pudéssemos confiar que não há extremistas violentos no Afeganistão e Paquistão determinados a matar o maior número possível de americanos. Mas esse ainda não é o caso.
É por isso que formamos uma parceria com uma coalizão de 46 países. E, apesar dos custos envolvidos, o engajamento dos EUA não vai se enfraquecer. De fato, nenhum de nós deveria tolerar esses extremistas. Eles já mataram em muitos países. Mataram pessoas de diferentes religiões--mais que qualquer outra, mataram muçulmanos. Suas ações são irreconciliáveis com os direitos dos seres humanos, com o progresso das nações e com o islão. O Sagrado Alcorão ensina que aquele que mata um inocente, é como se tivesse matado toda a humanidade; e que aquele que salva uma pessoa, é como se tivesse salvo toda a humanidade. A fé duradoura de mais de 1 bilião de pessoas é tão maior que o ódio estreito de algumas poucas. O islão não é parte do problema do combate ao extremismo violento--é uma parte importante da promoção da paz.
Também sabemos que o poderio militar, por si só, não será capaz de resolver os problemas no Afeganistão e Paquistão. É por isso que pretendemos investir US$1,5 bilião por ano nos próximos cinco anos para formar uma parceria com os paquistaneses para a construção de escolas e hospitais, estradas e empresas, e centenas de milhões para ajudar as pessoas que foram deslocadas. E é por isso que estamos providenciando mais de US$2,8 biliões para ajudar afegãos a desenvolver sua economia e a providenciar serviços dos quais as pessoas dependem. Permitam também que eu trate da questão do Iraque. Diferentemente do Afeganistão, o Iraque foi uma guerra travada por opção e que provocou fortes divergências em meu país e em todo o mundo. Embora eu acredite que, em última análise, o povo iraquiano esteja melhor sem a tirania de Saddam Hussein, também acredito que os factos no Iraque fizeram a América recordar a necessidade de usar a diplomacia e construir consensos internacionais para resolver nossos problemas, sempre que possível. De facto, podemos recordar as palavras de Thomas Jefferson, que disse: "Espero que nossa sabedoria cresça juntamente com nosso poder, ensinando-nos que, quanto menos empregarmos nosso poder, maior ele será".
Hoje a América tem uma responsabilidade dupla: ajudar o Iraque a forjar um futuro melhor e deixar o Iraque para os iraquianos. Já deixei claro para o povo do Iraque que não queremos bases em seu país e não reivindicamos seu território ou seus recursos. A soberania do Iraque é dele mesmo. Foi por isso que ordenei a retirada de nossas brigadas de combate até o próximo mês de agosto. É por isso que vamos honrar nosso acordo com o governo iraquiano democraticamente eleito de retirar as tropas de combate das cidades iraquianas até julho e de retirar todas nossas tropas do Iraque até 2012. Vamos ajudar o Iraque a treinar suas forças de segurança e desenvolver sua economia. Mas vamos apoiar um Iraque seguro e unido como parceiro, jamais como patrono.
E, finalmente, assim como a América nunca poderá tolerar a violência de extremistas, não devemos nunca alterar nossos princípios. O 11 de Setembro foi um trauma enorme para nosso país. O medo e ódio que provocou foram compreensíveis, mas, em alguns casos, nos levaram a agir contrariamente a nossos ideais. Estamos tomando medidas concretas para mudar de rumo. Proibi inequivocamente o uso de tortura pelos Estados Unidos e ordenei o fechamento da prisão de Guantánamo até o início do próximo ano.
Assim, a América vai se defender, respeitando a soberania das nações e o estado de direito. E vamos fazê-lo em parceria com comunidades muçulmanas que também estão ameaçadas. Quanto antes os extremistas forem isolados e não se sentirem bem-vindos nas comunidades muçulmanas, mais cedo todos nós estaremos em mais segurança.
A segunda importante fonte de tensão que precisamos discutir é a situação entre israelitas, palestinianos e o mundo árabe.
Os laços fortes da América com Israel são fartamente conhecidos. Esse elo é inquebrável. É baseado em laços culturais e históricos e no reconhecimento de que a aspiração a uma pátria judaica tem suas raízes numa história trágica que não pode ser negada.
Em todo o mundo, o povo judeu foi perseguido durante séculos, e o antissemitismo na Europa culminou em um Holocausto sem precedentes. Amanhã vou visitar Buchenwald, que foi parte de uma rede de campos nos quais judeus foram escravizados, torturados, fuzilados e mortos em câmaras de gás pelo Terceiro Reich. Seis milhões de judeus foram mortos--mais que toda a população judaica de Israel, hoje. Negar esse fato é infundado, ignorante e odioso. Ameaçar Israel de destruição ou repetir estereótipos vis sobre os judeus é profundamente errado e serve apenas para evocar essa mais dolorosa das memórias na mente dos judeus, ao mesmo tempo em que impede a paz que a população desta região merece.
Por outro lado, também é inegável que o povo palestiniano--muçulmanos e cristãos--vem sofrendo em busca de uma pátria própria. Há mais de 60 anos os palestinianos suportam a dor do deslocamento. Muitos aguardam em campos de refugiados na Cisjordânia, Faixa de Gaza e terras vizinhas por uma vida de paz e segurança que eles nunca puderam viver. Eles sofrem as humilhações diárias, grandes e pequenas, que acompanham a ocupação. Portanto, que não haja dúvida: a situação do povo palestiniano é intolerável. A América não dará as costas à legítima aspiração palestina por dignidade, oportunidade e um Estado próprio.
Um impasse se mantém há décadas: dois povos com aspirações legítimas, cada um dotado de uma história dolorosa que torna um acordo difícil de encontrar. É fácil apontar culpados--é fácil para os palestinianos apontarem para o deslocamento causado pela fundação de Israel, e para os israelitas apontarem para a hostilidade e os ataques constantes ao longo de sua história, tanto dentro de suas fronteiras quanto vindos de fora. Mas, se olharmos para esse conflito apenas desde um lado ou do outro, ficaremos cegos para a verdade: que a única solução é que as aspirações dos dois lados sejam atendidas através de dois Estados, em que israelitas e palestinianos vivam, de cada lado, em paz e segurança.
Isso é do interesse de Israel, é do interesse da Palestina, é do interesse da América e é do interesse do mundo. É por isso que eu pretendo pessoalmente trabalhar por essa solução com toda a paciência que a tarefa exige. As obrigações com as quais as partes concordaram, sob o mapa do caminho, são claras. Para que a paz aconteça, é hora de elas--e todos nós-- cumprirem suas responsabilidades.
Os palestinianos precisam abandonar a violência. A resistência através de violência e matança é errada e não tem êxito. Durante séculos os negros na América sofreram o açoite do chicote, como escravos, e a humilhação da segregação. Mas não foi a violência que conquistou direitos plenos e iguais. Foi a insistência pacífica e resoluta sobre os ideais centrais da fundação da América. Essa mesma história pode ser contada por povos da África do Sul ao sul da Ásia; da Europa do leste à Indonésia. É uma história que encerra uma verdade simples: que a violência é um beco sem saída. Não é sinal de coragem ou de poder disparar foguetes contra crianças que dormem ou detonar bombas que matam idosas em um autocarros. Não é assim que se reivindica autoridade moral--é assim que ela é perdida.
Agora é o momento para os palestinianos focarem sobre o que podem construir. A Autoridade Palestina precisa desenvolver sua capacidade de governar, com instituições que atendam às necessidades de seu povo. O Hamas tem o apoio de alguns palestinianos, mas também tem responsabilidades. Para exercer um papel na realização das aspirações palestinas, e para unificar o povo palestino, o Hamas precisa pôr fim à violência, reconhecer os acordos passados e reconhecer o direito de Israel à existência.
Ao mesmo tempo, os israelitas precisam reconhecer que, assim como o direito de Israel à existência não pode ser negado, tampouco o da Palestina pode ser negado. Os Estados Unidos não aceitam a legitimidade da continuidade dos assentamentos israelitas. Essa construção viola acordos prévios e solapa os esforços para conquistar a paz. É hora de esses assentamentos pararem.
Israel também precisa cumprir suas obrigações de assegurar que os palestinianos possam viver, trabalhar e desenvolver sua sociedade. E, assim como devasta famílias palestinas, a crise humanitária contínua na Faixa de Gaza não favorece a segurança de Israel, como também não a favorece a contínua ausência de oportunidades na Cisjordânia. O progresso na vida diária do povo palestino precisa fazer parte de um caminho que leve à paz, e Israel precisa tomar medidas concretas para possibilitar esse progresso.
Finalmente, os Estados árabes devem reconhecer que a Iniciativa Árabe de Paz foi um começo importante, mas não o fim de suas responsabilidades. O conflito árabe-israelita não deve mais ser usado para desviar a atenção da população dos países árabes de seus problemas. Em lugar disso, deve ser uma causa de acção para ajudar o povo palestino a desenvolver as instituições que vão sustentar seu Estado; para reconhecer a legitimidade de Israel, e para optar pelo progresso, em lugar da atenção sobre o passado, que provoca o fracasso de seus objectivos.
A América vai alinhar nossas políticas com aqueles que buscam a paz e dizer em público o que dizemos reservadamente a israelitas, palestinianos e árabes. Não podemos impor a paz. Reservadamente, porém, muitos muçulmanos reconhecem que Israel não vai desaparecer. Do mesmo modo, muitos israelitas reconhecem a necessidade de um Estado palestiniano. É hora de agirmos com base naquilo que todos sabemos ser verdade.
Lágrimas demais já foram derramadas. Sangue demais já foi vertido. Todos nós temos a responsabilidade de trabalhar em prol do dia em que as mães de israelitas e palestinianas poderão ver seus filhos crescer sem medo; quando a Terra Santa de três grandes religiões for o lugar de paz que Deus quis que fosse; em que Jerusalém será um lar seguro e duradouro para judeus, cristãos e muçulmanos, e um lugar para todos os filhos de Abraão se encontrarem em paz, como na história de Isra, em que Moisés, Jesus e Mohammed (que a paz esteja com eles) se uniram em oração.
A terceira fonte de tensão é nosso interesse comum nos direitos e responsabilidades das nações com relação às armas nucleares.
Essa questão tem sido fonte de tensão entre os Estados Unidos e a República Islâmica do Irão. Há muitos anos o Irão vem se definindo em parte por sua oposição a meu país, e há de facto uma história turbulenta entre nós. No meio da Guerra Fria, os Estados Unidos desempenharam um papel no derrube de um governo iraniano democraticamente eleito. Desde a Revolução Islâmica, o Irão tem desempenhado um papel em actos de sequestros de reféns e violência contra tropas e civis dos EUA. Essa história é fartamente conhecida. Em lugar de permanecermos presos no passado, deixei claro aos líderes e à população do Irão que meu país está disposto a andar para frente. A questão, agora, não é contra quem o Irão está, mas sim que futuro quer construir.
Será difícil superar décadas de desconfiança, mas vamos proceder com coragem, retidão e determinação. Haverá muitas questões a discutir entre nossos dois países, e estamos dispostos a avançar sem pré-condições, sobre uma base de respeito mútuo. Mas está claro para todos os envolvidos que, quando se trata de armas nucleares, chegamos a um ponto decisivo. Não se trata simplesmente dos interesses da América. Trata-se de impedir uma corrida por armas nucleares no Oriente Médio que pode conduzir esta região e o mundo por um caminho enormemente perigoso.
Compreendo aqueles que protestam que alguns países possuem armas que outros não têm. Nenhum país isolado deveria escolher quais países possuem armas nucleares. Por isso reafirmei fortemente o compromisso da América em buscar um mundo no qual nenhum país tenha armas nucleares. E qualquer país--incluindo o Irão--deve ter o direito à energia nuclear pacífica, se cumprir com suas responsabilidades sob o Tratado de Não Proliferação Nuclear. Esse compromisso está ao cerne do Tratado e deve ser respeitado por todos os que o obedecem plenamente. E tenho a esperança de que todos os países na região possam compartilhar essa meta.
A quarta questão da qual vou tratar é a democracia.
Sei que tem havido muita controvérsia em torno da promoção da democracia nos últimos anos, e boa parte dessa controvérsia está ligada à guerra no Iraque. Então permitam que eu seja claro: nenhum sistema de governo pode ou deve ser imposto a um país por qualquer outro país.
Isso, entretanto, não diminui meu comprometimento com os governos que refletem a vontade de suas populações. Cada país dá vida a esse princípio à sua própria maneira, fundamentada nas tradições de seu próprio povo. A América não presume saber o que é melhor para todos, assim como não nos arrogaríamos o direito de escolher o resultado de uma eleição pacífica. Mas acredito inabalavelmente que todas as pessoas anseiam por certas coisas: a possibilidade de declarar o que você pensa e ter voz na maneira como é governado; a confiança no estado de direito e na justiça igual para todos; em um governo que é transparente e não rouba da população; na liberdade de viver como você escolhe viver. Essas não são apenas idéias americanas, são direitos humanos, e é por isso que nós os apoiaremos em todo lugar.
Não existe uma linha recta que conduza à realização dessa promessa. Mas uma coisa é clara: que os governos que protegem esses direitos são, em última instância, mais estáveis, bem sucedidos e seguros. Reprimir idéias nunca consegue fazer com que desapareçam. A América respeita o direito de todas as vozes pacíficas e respeitadoras das leis serem ouvidas em todo o mundo, mesmo que discordemos delas. E vamos saudar todos os governos eleitos e pacíficos, desde que governem com respeito por todas suas populações.
Este último ponto é importante, porque há alguns que advogam a democracia apenas quando não estão no poder; uma vez chegados ao poder, são implacáveis na repressão dos direitos dos outros. Não importa onde deite raízes, o governo do povo e pelo povo fixa um padrão único para todos os que detêm o poder: vocês precisam manter seu poder através do consentimento, não da coerção; precisam respeitar os direitos das minorias e participar com um espírito de tolerância e conciliação; precisam colocar os interesses de sua população e a operação legítima do processo político acima dos interesses de seu partido. Sem esses ingredientes, as eleições, por si sós, não fazem uma democracia verdadeira.
A quinta questão da qual precisamos tratar juntos é a liberdade religiosa.
O islão possui uma nobre tradição de tolerância. Nós a vemos na história da Andaluzia e de Córdoba durante a Inquisição. Eu a vi em primeira mão como criança, na Indonésia, onde cristãos devotos praticavam sua religião livremente num país de avassaladora maioria muçulmana. É esse o espírito de que precisamos hoje. As pessoas em todos os países devem ser livres para escolher e viver sua fé baseadas na persuasão de suas mentes, corações e almas. Essa tolerância é essencial para que a religião floresça, mas vem sendo contestada de muitas maneiras diferentes.
Existe entre alguns muçulmanos uma tendência perturbadora a medir sua própria fé pela rejeição da fé de outro. A riqueza da diversidade religiosa precisa ser defendida, quer seja para os maronitas no Líbano ou para os coptas no Egito. E é preciso que sejam fechadas também as divisões entre muçulmanos, já que as divisões entre sunitas e xiitas já levaram a violência trágica, particularmente no Iraque.
A liberdade de religião é fundamental para a capacidade de convivência dos povos. Precisamos sempre examinar as maneiras pelas quais a protegemos. Por exemplo, nos Estados Unidos as normas sobre as doações de caridade vêm dificultando o cumprimento pelos muçulmanos de sua obrigação religiosa. É por isso que estou engajado em trabalhar com muçulmanos americanos para assegurar que possam cumprir a zakat.
Do mesmo modo, é importante que os países ocidentais evitem impedir cidadãos muçulmanos de praticar a religião da maneira que lhes convém, por exemplo ditando que roupas uma mulher muçulmana deve trajar. Não podemos disfarçar a hostilidade em relação a qualquer religião por trás de um pretenso liberalismo.
De facto, a fé deve nos unir. É por isso que estamos forjando na América projectos de serviço que reúnam cristãos, muçulmanos e judeus. É por isso que saudamos esforços como o diálogo Interfés do rei saudita Abdullah e a liderança da Turquia na Aliança de Civilizações. Em todo o mundo, poderemos converter o diálogo em serviços Interfés, para que pontes entre povos possam levar a acções, quer sejam o combate à malária na África ou a prestação de assistência após um desastre natural.
A sexta questão da qual quero tratar é a dos direitos das mulheres.
Sei que há um debate sobre essa questão. Rejeito a visão de alguns no Ocidente de que uma mulher que opta por cobrir seus cabelos de alguma maneira goza de menos igualdade, mas acredito que uma mulher à qual é negada a educação tem sua igualdade negada. E não é coincidência que os países em que as mulheres são altamente instruídas têm muito mais tendência a serem prósperos.
Permitem que eu fale com clareza: as questões relativas à igualdade das mulheres não são, de maneira alguma, uma questão apenas do islão. Na Turquia, no Paquistão, em Bangladesh e na Indonésia já vimos países de maioria muçulmana elegerem uma mulher para liderá-los. Enquanto isso, a luta pela igualdade das mulheres continua em muitos aspectos da vida americana e em outros países pelo mundo fora.
Nossas filhas podem contribuir para a sociedade tanto quanto nossos filhos, e nossa prosperidade comum será favorecida por permitir a toda a humanidade, homens e mulheres, alcançar seu potencial pleno. Não acredito que as mulheres devam fazer as mesmas escolhas que os homens para serem iguais, e respeito as mulheres que optam por viver suas vidas cumprindo papéis tradicionais. Mas isso deve ser escolha delas. É por isso que os Estados Unidos formarão parcerias com qualquer país de maioria muçulmana para defender o aumento da alfabetização de meninas e para ajudar as mulheres jovens a buscar empregos através do microfinanciamento que ajuda pessoas a realizarem seus sonhos.
Finalmente, quero falar do desenvolvimento econômico e das oportunidades.
Sei que, para muitos, o rosto da globalização é contraditório. A Internet e a televisão podem trazer conhecimentos e informação, mas também sexualidade ofensiva e violência insensata. O comércio pode trazer novas riquezas e oportunidades, mas também perturbações enormes e mudanças em comunidades. Em todos os países, incluindo o meu, essas mudanças podem suscitar medo. Medo que, devido à modernidade, possamos perder o controle sobre nossas escolhas econômicas, nossa política e, o que é mais importante, nossas identidades--as coisas que mais prezamos em nossas comunidades, nossas famílias, nossas tradições e nossa fé.
Mas sei também que o progresso humano não pode ser negado. Não é preciso haver contradição entre desenvolvimento e tradição. Países como Japão e Coreia do Sul fizeram suas economias crescer ao mesmo tempo em que conservaram suas culturas distintas. O mesmo se aplica ao progresso espantoso verificado em países de maioria muçulmana, de Kuala Lumpur a Dubai. Na antiguidade e nos nossos tempos, as comunidades muçulmanas estiveram na vanguarda das inovações e da educação.
Isso é importante, porque nenhuma estratégia de desenvolvimento pode ser baseada unicamente no que brota da terra, nem pode ser sustentada quando jovens estiverem sem emprego. Muitos Estados do Golfo vêm desfrutando grande riqueza em consequência do petróleo, e alguns estão começando a focar o desenvolvimento mais amplo. Mas todos nós precisamos reconhecer que a educação e a inovação serão a moeda forte do século 21, e numa parte grande demais das comunidades muçulmanas ainda há escassez de investimento nessas áreas. Estou enfatizando tais investimentos em meu país. E, enquanto a América no passado focou o petróleo e o gás nesta parte do mundo, hoje procuramos um engajamento mais amplo.
Em relação à educação, vamos ampliar os programas de intercâmbio e aumentar as bolsas de estudos, como aquela que trouxe meu pai para a América, ao mesmo tempo encorajando mais americanos a estudar em comunidades muçulmanas. E vamos procurar estágios na América para estudantes muçulmanos promissores; vamos investir em estudos online para professores e alunos em todo o mundo, e criar uma nova rede online, para que um adolescente no Kansas possa comunicar-se instantaneamente com um adolescente no Cairo.
Com relação ao desenvolvimento econômico, vamos criar um novo corpo de voluntários empresariais para formar parcerias com contrapartes em países de maioria muçulmana. Este ano serei anfitrião de uma Cúpula sobre o Empreendedorismo, para identificar como podemos aprofundar os laços entre líderes empresariais, fundações e empreendedores sociais nos Estados Unidos e em comunidades muçulmanas em todo o mundo.
Com relação à ciência e tecnologia, vamos lançar um fundo novo para apoiar o desenvolvimento tecnológico em países de maioria muçulmana e para ajudar a transferir idéias para o mercado, para que possam gerar empregos. Vamos abrir centros de excelência científica na África, no Oriente Médio e no sudeste da Ásia; vamos nomear novos enviados científicos para colaborarem em programas que desenvolvam novas fontes de energia, gerem empregos verdes, digitalizem registros, purifiquem água e cultivem plantações novas. E estou anunciando hoje um novo esforço global em conjunto com a Organização da Conferência Islâmica, para a erradicação da poliomielite. E também vamos ampliar parcerias com comunidades muçulmanas para promover a saúde infantil e materna.
Todas essas coisas precisam ser feitas em parceria. Os americanos estão dispostos a unirem seus esforços a cidadãos e governos, organizações comunitárias, líderes religiosos e empresas em comunidades muçulmanas em todo o mundo, para ajudar nossas populações a buscarem uma vida melhor.
As questões que descrevi não serão fáceis de tratar. Mas temos a responsabilidade de nos unirmos em prol do mundo que buscamos: um mundo em que extremistas não mais ameacem nossos povos, em que as tropas americanas terão voltado para casa; um mundo em que israelitas e palestinianos estejam seguros em seus próprios Estados, e em que a energia nuclear seja empregada para finalidades pacíficas; um mundo em que os governos sirvam os seus cidadãos e em que sejam respeitados os direitos de todos os filhos de Deus. Esses são interesses mútuos. Esse é o mundo que buscamos. Mas só poderemos conquistá-lo juntos.
Sei que existem muitos muçulmanos e não muçulmanos que questionam se conseguiremos forjar este novo começo. Alguns estão ansiosos por alimentar as chamas da divisão e obstruírem o caminho do progresso. Alguns sugerem que não vale a pena--que estamos fadados a discordar e que as civilizações estão fadadas a entrar em conflito. Muitos mais simplesmente são cépticos quanto às possibilidades de ocorrer uma mudança real. Há tanto medo, tanta desconfiança. Mas, se optarmos por ficarmos presos ao passado, nunca avançaremos. E quero dizer isto particularmente aos jovens de todas as religiões, em todos os países: vocês, mais que ninguém, têm a capacidade de refazer este mundo.
Todos nós compartilhamos este mundo apenas por um momento breve no tempo. A questão é se vamos passar esse tempo focando aquilo que nos divide ou se vamos nos engajar em um esforço--um esforço sustentado--para encontrar terreno comum, para focar no futuro que buscamos para nossos filhos e para respeitar a dignidade de todos os seres humanos.
É mais fácil começar guerras do que encerrá-las. É mais fácil atribuir culpas aos outros do que olhar para dentro; enxergar o que é diferente nos outros do que identificar as coisas que temos em comum. Mas devemos escolher o caminho correcto, não apenas o caminho fácil. Existe também uma regra que está ao cerne de todas as religiões: que devemos fazer aos outros o que gostaríamos que os outros fizessem connosco. Essa verdade transcende as nações e os povos. É uma crença que não é nova; que não é negra, nem branca, nem parda; que não é cristã, muçulmana ou judaica. É uma crença que vibrou no berço da civilização e que ainda bate no coração de biliões de pessoas. É a fé em outras pessoas, e foi isso o que me trouxe aqui, hoje.
Temos o poder de criar o mundo que almejamos, mas apenas se tivermos a coragem de criar um novo começo, mantendo em mente aquilo que foi escrito.
O Sagrado Alcorão nos diz: "Ó humanidade! Nós os criamos homens e mulheres; e os criamos em nações e tribos para que vocês possam conhecer uns aos outros".
O Talmud nos diz: "A totalidade da Torá tem a finalidade de promover a paz".
A Bíblia Sagrada nos diz: "Abençoados sejam os que fazem a paz, pois eles serão chamados filhos de Deus".
Os povos do mundo podem conviver em paz. Sabemos que essa é a visão de Deus. Agora esse precisa ser nosso trabalho aqui na Terra. Obrigado. E que a paz do Senhor esteja com vocês.
Encontramo-nos num momento de tensão entre os Estados Unidos e muçulmanos em todo o mundo --tensão que tem suas raízes em forças históricas que extrapolam qualquer debate político atual. O relacionamento entre o islão e o Ocidente inclui séculos de coexistência e cooperação, mas também conflitos e guerras religiosas. Mais recentemente, a tensão foi alimentada pelo colonialismo, que negou direitos e oportunidades a muitos muçulmanos, e pela Guerra Fria, na qual países de maioria muçulmana com demasiada frequência foram tratados como representantes, sem consideração por suas próprias aspirações. Ademais, as mudanças abrangentes trazidas pela modernidade e a globalização levaram muitos muçulmanos a ver o Ocidente como sendo hostil às tradições do islão.
Extremistas violentos vêm explorando essas tensões numa minoria pequena, mas potente dos muçulmanos. Os ataques de 11 de setembro de 2001 e os esforços contínuos desses extremistas para praticar violências contra civis levaram alguns em meu país a enxergar o islão como sendo inevitavelmente hostil, não apenas à América e aos países ocidentais, mas também aos direitos humanos. Isso vem gerando mais medo e desconfiança.
Enquanto nosso relacionamento for definido por nossas diferenças, vamos empoderar aqueles que semeiam o ódio em lugar da paz e que promovem o conflito em lugar da cooperação que pode ajudar todos nossos povos a alcançar a justiça e a prosperidade. Esse ciclo de desconfiança e discórdia precisa acabar.
Vim para cá para buscar um novo começo entre os Estados Unidos e muçulmanos em todo o mundo; um que seja baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo; e um que seja baseado na verdade de que Estados Unidos e islão não são mutuamente excludentes e não precisam competir. Em vez disso, eles se sobrepõem e compartilham princípios comuns: princípios de justiça e progresso, de tolerância e da dignidade de todos os seres humanos.
Faço isso com a consciência de que a transformação não pode acontecer da noite para o dia. Nenhum discurso isolado será capaz de erradicar anos de desconfiança, nem eu, no tempo de que disponho, poderei responder a todas as perguntas complexas que nos trouxeram para este ponto. Mas estou convencido de que, para podermos andar para frente, precisamos dizer abertamente as coisas que temos em nossas corações e que com demasiada frequência são ditas apenas a portas fechadas. É preciso que haja um esforço sustentado para ouvirmos uns aos outros; aprendermos uns com os outros; respeitarmos uns aos outros, e buscar terreno comum. Como nos diz o Sagrado Alcorão, "Seja consciente de Deus e fale a verdade sempre". É isso o que procurarei fazer: falar a verdade ao máximo de minha habilidade, sentindo-me humilde diante da tarefa que temos pela frente e firme em minha crença em que os interesses que compartilhamos como seres humanos são muito mais poderosos que as forças que nos afastam.
Parte dessa convicção tem suas raízes em minha própria experiência. Sou cristão, mas meu pai veio de uma família queniana que inclui gerações de muçulmanos. Quando menino, vivi vários anos na Indonésia e ouvi o chamado do azaan ao raiar do dia e ao cair da noite. Quando jovem, trabalhei em comunidades de Chicago onde muitos encontravam dignidade e paz em sua fé muçulmana.
Como estudioso da história, também conheço a dívida que civilização tem com o islão. Foi o islão--em lugares como a Universidade Al Azhar-- que carregou a luz do saber ao longo de muitos séculos, abrindo caminho para o Renascimento e o Iluminismo na Europa. Foram inovações em comunidades muçulmanas que desenvolveram a ordem da álgebra; nossa bússola magnética e instrumentos de navegação; nossa maestria das penas e da impressão; nossa compreensão de como as doenças se espalham e de como podem ser curadas. A cultura islâmica nos deu arcos majestosos e torres que se elevam ao céu; poesia atemporal e música preciosa; caligrafia elegante e lugares de contemplação pacífica. E, ao longo de toda a história, o islão demonstrou em palavras e atos as possibilidades da tolerância religiosa e da igualdade racial.
Sei, também, que o islão sempre foi uma parte da história da América. O primeiro país a reconhecer o meu foi o Marrocos. Ao assinar o Tratado de Trípoli, em 1796, nosso segundo presidente, John Adams, escreveu: "Os Estados Unidos não têm em si nenhum caráter de inimizade com as leis, a religião ou a tranquilidade dos muçulmanos". E, desde nossa fundação, muçulmanos americanos enriqueceram os Estados Unidos. Eles lutaram em nossas guerras, serviram no governo, defenderam os direitos civis, abriram empresas, lecionaram em nossas universidades, se destacaram em nossas arenas desportivas, ganharam Prêmios Nobel, construíram nosso edifício mais alto e acenderam a tocha olímpica. E quando, recentemente, o primeiro muçulmano americano foi eleito para o Congresso, ele fez o juramento de defender nossa Constituição usando o mesmo Santo Alcorão que um dos fundadores de nosso país, Thomas Jefferson, guardava em sua biblioteca pessoal.
Assim, conheci o islão em três continentes antes de vir para a região onde ele primeiro foi revelado. Essa experiência guia minha convicção de que a parceria entre os EUA e o islão deve ser baseada no que o islão é, e não no que ele não é. E considero que é parte de minha responsabilidade como presidente dos Estados Unidos combater os estereótipos negativos do islão, onde quer que apareçam.
Mas esse mesmo princípio deve se aplicar às percepções muçulmanas da América. Do mesmo modo como muçulmanos não se enquadram em um estereótipo grosseiro, a América não é o estereótipo grosseiro de um império que apenas defende seus próprios interesses. Os Estados Unidos tem sido uma das maiores fontes de progresso que o mundo já conheceu. Nascemos de uma revolução contra um império. Fomos fundados com base no ideal de que todos são criados iguais, e derramamos sangue e lágrimas há séculos para dar sentido a essas palavras dentro de nossas fronteiras e em todo o mundo. Fomos moldados por todas as culturas, vindas de todos os cantos da Terra, e somos dedicados a um conceito simples: "E pluribus unum" -- "A partir de muitos, um só".
Muita coisa já foi dita sobre o facto de um afro-americano com o nome Barack Hussein Obama ter podido ser eleito presidente. Mas minha história pessoal não é tão singular. O sonho da oportunidade para todas as pessoas não se realizou para todos na América, mas sua promessa existe para todos os que chegam a nosso país. Isso inclui quase sete milhões de muçulmanos americanos em nosso país, hoje, que gozam de renda e educação acima da média.
Ademais, a liberdade, na América, é inseparável da liberdade de praticar sua própria religião. É por isso que existe uma mesquita em cada Estado de nossa União e que há mais de 1.200 mesquitas dentro de nossas fronteiras. É por isso que o governo americano foi ao tribunal para proteger o direito de mulheres e meninas usarem o hijab e para punir aqueles que gostariam de lhes negar esse direito.
Que não haja dúvida, portanto: o islão é uma parte da América. E acredito que a América encerra nela a verdade de que, independentemente de raça, religião ou status na vida, todos nós compartilhamos aspirações comuns de viver em paz e segurança; de ter acesso à educação e de trabalhar com dignidade; de amar nossas famílias, nossas comunidades e nosso Deus. Essas coisas nós compartilhamos. Essa é a esperança de toda a humanidade.
É claro que reconhecer nossa humanidade comum é apenas o começo de nossa tarefa. As palavras, por si sós, não podem atender às necessidades de nosso povo. Essas necessidades só serão atendidas se agirmos com ousadia nos anos que estão por vir; e se reconhecermos que os desafios que enfrentamos são comuns, e que nossa falha em fazer frente a eles vai prejudicar a nós todos.
Pois aprendemos com a experiência recente que, quando um sistema financeiro se enfraquece em um país, a prosperidade é prejudicada em toda parte. Quando uma nova gripe infecta um ser humano, todos estão em risco. Quando um país procura dotar-se de uma arma nuclear, o risco de ataque nuclear cresce para todos os países. Quando extremistas violentos operam em uma cadeia montanhosa, pessoas do outro lado de um oceano correm perigo. E, quando inocentes são massacrados na Bósnia e em Darfur, isso é uma mancha que macula nossa consciência coletiva. É isso o que significa compartilhar este mundo no século 21. É essa a responsabilidade que carregamos uns em relação aos outros, como seres humanos.
Esta é uma responsabilidade difícil de assumir. Pois a história humana frequentemente tem sido um registro de nações e tribos subjugando uns aos outros para atender a seus próprios interesses. Nesta nova era, porém, atitudes como essas derrotam seus próprios objectivos. Em vista de nossa interdependência, qualquer ordem mundial que eleve um país ou grupo de pessoas acima de outro fracassará inevitavelmente. Portanto, sempre que pensarmos no passado, não devemos ser prisioneiros dele. Nossos problemas precisam ser enfrentados através da parceria; o progresso precisa ser compartilhado.
Isso não significa que devamos ignorar as fontes de tensão. Na verdade, sugere o contrário: precisamos enfrentar essas tensões sem rodeios. E assim, dentro desse espírito, permitam que eu fale com a maior clareza e franqueza possíveis sobre algumas questões específicas que creio que finalmente precisamos enfrentar juntos.
A primeira questão que precisamos enfrentar é o extremismo violento sob todas suas formas.
Em Ancara, deixei claro que a América não está e nunca estará em guerra com o islão. Entretanto, vamos confrontar implacavelmente os extremistas violentos que lançam uma ameaça grave a nossa segurança. Porque rejeitamos a mesma coisa que todas as pessoas de todas as religiões rejeitam: a matança de homens, mulheres e crianças inocentes. E meu primeiro dever como presidente é proteger a população americana.
A situação no Afeganistão demonstra as metas da América e nossa necessidade de trabalharmos em conjunto. Mais de sete anos atrás, os Estados Unidos perseguiram a Al Qaeda e o Taleban com amplo apoio internacional. Não fomos lá por nossa própria escolha, fomos por necessidade. Tenho consciência de que algumas pessoas questionam ou justificam os acontecimentos do 11 de Setembro. Mas sejamos claros: a Al Qaeda matou quase 3.000 pessoas nesse dia. As vítimas foram homens, mulheres e crianças inocentes da América e de muitas outras nações, que não tinham feito nada para fazer mal a ninguém. No entanto, a Al Qaeda optou por assassinar impiedosamente essas pessoas, reivindicou o crédito pelo ataque, e até hoje declara sua determinação de matar em escala maciça. Ela tem filiados em muitos países e está tentando ampliar seu alcance. Essas não são opiniões a serem debatidas--são fatos que é preciso enfrentar.
Que ninguém se iluda: não queremos manter nossas tropas no Afeganistão. Não procuramos ter bases militares ali. É extremamente sofrido para a América perder nossos jovens, homens e mulheres. É custoso e politicamente difícil levar esse conflito adiante. Ficaríamos mais que felizes em trazer cada um de nossos soldados para casa, se pudéssemos confiar que não há extremistas violentos no Afeganistão e Paquistão determinados a matar o maior número possível de americanos. Mas esse ainda não é o caso.
É por isso que formamos uma parceria com uma coalizão de 46 países. E, apesar dos custos envolvidos, o engajamento dos EUA não vai se enfraquecer. De fato, nenhum de nós deveria tolerar esses extremistas. Eles já mataram em muitos países. Mataram pessoas de diferentes religiões--mais que qualquer outra, mataram muçulmanos. Suas ações são irreconciliáveis com os direitos dos seres humanos, com o progresso das nações e com o islão. O Sagrado Alcorão ensina que aquele que mata um inocente, é como se tivesse matado toda a humanidade; e que aquele que salva uma pessoa, é como se tivesse salvo toda a humanidade. A fé duradoura de mais de 1 bilião de pessoas é tão maior que o ódio estreito de algumas poucas. O islão não é parte do problema do combate ao extremismo violento--é uma parte importante da promoção da paz.
Também sabemos que o poderio militar, por si só, não será capaz de resolver os problemas no Afeganistão e Paquistão. É por isso que pretendemos investir US$1,5 bilião por ano nos próximos cinco anos para formar uma parceria com os paquistaneses para a construção de escolas e hospitais, estradas e empresas, e centenas de milhões para ajudar as pessoas que foram deslocadas. E é por isso que estamos providenciando mais de US$2,8 biliões para ajudar afegãos a desenvolver sua economia e a providenciar serviços dos quais as pessoas dependem. Permitam também que eu trate da questão do Iraque. Diferentemente do Afeganistão, o Iraque foi uma guerra travada por opção e que provocou fortes divergências em meu país e em todo o mundo. Embora eu acredite que, em última análise, o povo iraquiano esteja melhor sem a tirania de Saddam Hussein, também acredito que os factos no Iraque fizeram a América recordar a necessidade de usar a diplomacia e construir consensos internacionais para resolver nossos problemas, sempre que possível. De facto, podemos recordar as palavras de Thomas Jefferson, que disse: "Espero que nossa sabedoria cresça juntamente com nosso poder, ensinando-nos que, quanto menos empregarmos nosso poder, maior ele será".
Hoje a América tem uma responsabilidade dupla: ajudar o Iraque a forjar um futuro melhor e deixar o Iraque para os iraquianos. Já deixei claro para o povo do Iraque que não queremos bases em seu país e não reivindicamos seu território ou seus recursos. A soberania do Iraque é dele mesmo. Foi por isso que ordenei a retirada de nossas brigadas de combate até o próximo mês de agosto. É por isso que vamos honrar nosso acordo com o governo iraquiano democraticamente eleito de retirar as tropas de combate das cidades iraquianas até julho e de retirar todas nossas tropas do Iraque até 2012. Vamos ajudar o Iraque a treinar suas forças de segurança e desenvolver sua economia. Mas vamos apoiar um Iraque seguro e unido como parceiro, jamais como patrono.
E, finalmente, assim como a América nunca poderá tolerar a violência de extremistas, não devemos nunca alterar nossos princípios. O 11 de Setembro foi um trauma enorme para nosso país. O medo e ódio que provocou foram compreensíveis, mas, em alguns casos, nos levaram a agir contrariamente a nossos ideais. Estamos tomando medidas concretas para mudar de rumo. Proibi inequivocamente o uso de tortura pelos Estados Unidos e ordenei o fechamento da prisão de Guantánamo até o início do próximo ano.
Assim, a América vai se defender, respeitando a soberania das nações e o estado de direito. E vamos fazê-lo em parceria com comunidades muçulmanas que também estão ameaçadas. Quanto antes os extremistas forem isolados e não se sentirem bem-vindos nas comunidades muçulmanas, mais cedo todos nós estaremos em mais segurança.
A segunda importante fonte de tensão que precisamos discutir é a situação entre israelitas, palestinianos e o mundo árabe.
Os laços fortes da América com Israel são fartamente conhecidos. Esse elo é inquebrável. É baseado em laços culturais e históricos e no reconhecimento de que a aspiração a uma pátria judaica tem suas raízes numa história trágica que não pode ser negada.
Em todo o mundo, o povo judeu foi perseguido durante séculos, e o antissemitismo na Europa culminou em um Holocausto sem precedentes. Amanhã vou visitar Buchenwald, que foi parte de uma rede de campos nos quais judeus foram escravizados, torturados, fuzilados e mortos em câmaras de gás pelo Terceiro Reich. Seis milhões de judeus foram mortos--mais que toda a população judaica de Israel, hoje. Negar esse fato é infundado, ignorante e odioso. Ameaçar Israel de destruição ou repetir estereótipos vis sobre os judeus é profundamente errado e serve apenas para evocar essa mais dolorosa das memórias na mente dos judeus, ao mesmo tempo em que impede a paz que a população desta região merece.
Por outro lado, também é inegável que o povo palestiniano--muçulmanos e cristãos--vem sofrendo em busca de uma pátria própria. Há mais de 60 anos os palestinianos suportam a dor do deslocamento. Muitos aguardam em campos de refugiados na Cisjordânia, Faixa de Gaza e terras vizinhas por uma vida de paz e segurança que eles nunca puderam viver. Eles sofrem as humilhações diárias, grandes e pequenas, que acompanham a ocupação. Portanto, que não haja dúvida: a situação do povo palestiniano é intolerável. A América não dará as costas à legítima aspiração palestina por dignidade, oportunidade e um Estado próprio.
Um impasse se mantém há décadas: dois povos com aspirações legítimas, cada um dotado de uma história dolorosa que torna um acordo difícil de encontrar. É fácil apontar culpados--é fácil para os palestinianos apontarem para o deslocamento causado pela fundação de Israel, e para os israelitas apontarem para a hostilidade e os ataques constantes ao longo de sua história, tanto dentro de suas fronteiras quanto vindos de fora. Mas, se olharmos para esse conflito apenas desde um lado ou do outro, ficaremos cegos para a verdade: que a única solução é que as aspirações dos dois lados sejam atendidas através de dois Estados, em que israelitas e palestinianos vivam, de cada lado, em paz e segurança.
Isso é do interesse de Israel, é do interesse da Palestina, é do interesse da América e é do interesse do mundo. É por isso que eu pretendo pessoalmente trabalhar por essa solução com toda a paciência que a tarefa exige. As obrigações com as quais as partes concordaram, sob o mapa do caminho, são claras. Para que a paz aconteça, é hora de elas--e todos nós-- cumprirem suas responsabilidades.
Os palestinianos precisam abandonar a violência. A resistência através de violência e matança é errada e não tem êxito. Durante séculos os negros na América sofreram o açoite do chicote, como escravos, e a humilhação da segregação. Mas não foi a violência que conquistou direitos plenos e iguais. Foi a insistência pacífica e resoluta sobre os ideais centrais da fundação da América. Essa mesma história pode ser contada por povos da África do Sul ao sul da Ásia; da Europa do leste à Indonésia. É uma história que encerra uma verdade simples: que a violência é um beco sem saída. Não é sinal de coragem ou de poder disparar foguetes contra crianças que dormem ou detonar bombas que matam idosas em um autocarros. Não é assim que se reivindica autoridade moral--é assim que ela é perdida.
Agora é o momento para os palestinianos focarem sobre o que podem construir. A Autoridade Palestina precisa desenvolver sua capacidade de governar, com instituições que atendam às necessidades de seu povo. O Hamas tem o apoio de alguns palestinianos, mas também tem responsabilidades. Para exercer um papel na realização das aspirações palestinas, e para unificar o povo palestino, o Hamas precisa pôr fim à violência, reconhecer os acordos passados e reconhecer o direito de Israel à existência.
Ao mesmo tempo, os israelitas precisam reconhecer que, assim como o direito de Israel à existência não pode ser negado, tampouco o da Palestina pode ser negado. Os Estados Unidos não aceitam a legitimidade da continuidade dos assentamentos israelitas. Essa construção viola acordos prévios e solapa os esforços para conquistar a paz. É hora de esses assentamentos pararem.
Israel também precisa cumprir suas obrigações de assegurar que os palestinianos possam viver, trabalhar e desenvolver sua sociedade. E, assim como devasta famílias palestinas, a crise humanitária contínua na Faixa de Gaza não favorece a segurança de Israel, como também não a favorece a contínua ausência de oportunidades na Cisjordânia. O progresso na vida diária do povo palestino precisa fazer parte de um caminho que leve à paz, e Israel precisa tomar medidas concretas para possibilitar esse progresso.
Finalmente, os Estados árabes devem reconhecer que a Iniciativa Árabe de Paz foi um começo importante, mas não o fim de suas responsabilidades. O conflito árabe-israelita não deve mais ser usado para desviar a atenção da população dos países árabes de seus problemas. Em lugar disso, deve ser uma causa de acção para ajudar o povo palestino a desenvolver as instituições que vão sustentar seu Estado; para reconhecer a legitimidade de Israel, e para optar pelo progresso, em lugar da atenção sobre o passado, que provoca o fracasso de seus objectivos.
A América vai alinhar nossas políticas com aqueles que buscam a paz e dizer em público o que dizemos reservadamente a israelitas, palestinianos e árabes. Não podemos impor a paz. Reservadamente, porém, muitos muçulmanos reconhecem que Israel não vai desaparecer. Do mesmo modo, muitos israelitas reconhecem a necessidade de um Estado palestiniano. É hora de agirmos com base naquilo que todos sabemos ser verdade.
Lágrimas demais já foram derramadas. Sangue demais já foi vertido. Todos nós temos a responsabilidade de trabalhar em prol do dia em que as mães de israelitas e palestinianas poderão ver seus filhos crescer sem medo; quando a Terra Santa de três grandes religiões for o lugar de paz que Deus quis que fosse; em que Jerusalém será um lar seguro e duradouro para judeus, cristãos e muçulmanos, e um lugar para todos os filhos de Abraão se encontrarem em paz, como na história de Isra, em que Moisés, Jesus e Mohammed (que a paz esteja com eles) se uniram em oração.
A terceira fonte de tensão é nosso interesse comum nos direitos e responsabilidades das nações com relação às armas nucleares.
Essa questão tem sido fonte de tensão entre os Estados Unidos e a República Islâmica do Irão. Há muitos anos o Irão vem se definindo em parte por sua oposição a meu país, e há de facto uma história turbulenta entre nós. No meio da Guerra Fria, os Estados Unidos desempenharam um papel no derrube de um governo iraniano democraticamente eleito. Desde a Revolução Islâmica, o Irão tem desempenhado um papel em actos de sequestros de reféns e violência contra tropas e civis dos EUA. Essa história é fartamente conhecida. Em lugar de permanecermos presos no passado, deixei claro aos líderes e à população do Irão que meu país está disposto a andar para frente. A questão, agora, não é contra quem o Irão está, mas sim que futuro quer construir.
Será difícil superar décadas de desconfiança, mas vamos proceder com coragem, retidão e determinação. Haverá muitas questões a discutir entre nossos dois países, e estamos dispostos a avançar sem pré-condições, sobre uma base de respeito mútuo. Mas está claro para todos os envolvidos que, quando se trata de armas nucleares, chegamos a um ponto decisivo. Não se trata simplesmente dos interesses da América. Trata-se de impedir uma corrida por armas nucleares no Oriente Médio que pode conduzir esta região e o mundo por um caminho enormemente perigoso.
Compreendo aqueles que protestam que alguns países possuem armas que outros não têm. Nenhum país isolado deveria escolher quais países possuem armas nucleares. Por isso reafirmei fortemente o compromisso da América em buscar um mundo no qual nenhum país tenha armas nucleares. E qualquer país--incluindo o Irão--deve ter o direito à energia nuclear pacífica, se cumprir com suas responsabilidades sob o Tratado de Não Proliferação Nuclear. Esse compromisso está ao cerne do Tratado e deve ser respeitado por todos os que o obedecem plenamente. E tenho a esperança de que todos os países na região possam compartilhar essa meta.
A quarta questão da qual vou tratar é a democracia.
Sei que tem havido muita controvérsia em torno da promoção da democracia nos últimos anos, e boa parte dessa controvérsia está ligada à guerra no Iraque. Então permitam que eu seja claro: nenhum sistema de governo pode ou deve ser imposto a um país por qualquer outro país.
Isso, entretanto, não diminui meu comprometimento com os governos que refletem a vontade de suas populações. Cada país dá vida a esse princípio à sua própria maneira, fundamentada nas tradições de seu próprio povo. A América não presume saber o que é melhor para todos, assim como não nos arrogaríamos o direito de escolher o resultado de uma eleição pacífica. Mas acredito inabalavelmente que todas as pessoas anseiam por certas coisas: a possibilidade de declarar o que você pensa e ter voz na maneira como é governado; a confiança no estado de direito e na justiça igual para todos; em um governo que é transparente e não rouba da população; na liberdade de viver como você escolhe viver. Essas não são apenas idéias americanas, são direitos humanos, e é por isso que nós os apoiaremos em todo lugar.
Não existe uma linha recta que conduza à realização dessa promessa. Mas uma coisa é clara: que os governos que protegem esses direitos são, em última instância, mais estáveis, bem sucedidos e seguros. Reprimir idéias nunca consegue fazer com que desapareçam. A América respeita o direito de todas as vozes pacíficas e respeitadoras das leis serem ouvidas em todo o mundo, mesmo que discordemos delas. E vamos saudar todos os governos eleitos e pacíficos, desde que governem com respeito por todas suas populações.
Este último ponto é importante, porque há alguns que advogam a democracia apenas quando não estão no poder; uma vez chegados ao poder, são implacáveis na repressão dos direitos dos outros. Não importa onde deite raízes, o governo do povo e pelo povo fixa um padrão único para todos os que detêm o poder: vocês precisam manter seu poder através do consentimento, não da coerção; precisam respeitar os direitos das minorias e participar com um espírito de tolerância e conciliação; precisam colocar os interesses de sua população e a operação legítima do processo político acima dos interesses de seu partido. Sem esses ingredientes, as eleições, por si sós, não fazem uma democracia verdadeira.
A quinta questão da qual precisamos tratar juntos é a liberdade religiosa.
O islão possui uma nobre tradição de tolerância. Nós a vemos na história da Andaluzia e de Córdoba durante a Inquisição. Eu a vi em primeira mão como criança, na Indonésia, onde cristãos devotos praticavam sua religião livremente num país de avassaladora maioria muçulmana. É esse o espírito de que precisamos hoje. As pessoas em todos os países devem ser livres para escolher e viver sua fé baseadas na persuasão de suas mentes, corações e almas. Essa tolerância é essencial para que a religião floresça, mas vem sendo contestada de muitas maneiras diferentes.
Existe entre alguns muçulmanos uma tendência perturbadora a medir sua própria fé pela rejeição da fé de outro. A riqueza da diversidade religiosa precisa ser defendida, quer seja para os maronitas no Líbano ou para os coptas no Egito. E é preciso que sejam fechadas também as divisões entre muçulmanos, já que as divisões entre sunitas e xiitas já levaram a violência trágica, particularmente no Iraque.
A liberdade de religião é fundamental para a capacidade de convivência dos povos. Precisamos sempre examinar as maneiras pelas quais a protegemos. Por exemplo, nos Estados Unidos as normas sobre as doações de caridade vêm dificultando o cumprimento pelos muçulmanos de sua obrigação religiosa. É por isso que estou engajado em trabalhar com muçulmanos americanos para assegurar que possam cumprir a zakat.
Do mesmo modo, é importante que os países ocidentais evitem impedir cidadãos muçulmanos de praticar a religião da maneira que lhes convém, por exemplo ditando que roupas uma mulher muçulmana deve trajar. Não podemos disfarçar a hostilidade em relação a qualquer religião por trás de um pretenso liberalismo.
De facto, a fé deve nos unir. É por isso que estamos forjando na América projectos de serviço que reúnam cristãos, muçulmanos e judeus. É por isso que saudamos esforços como o diálogo Interfés do rei saudita Abdullah e a liderança da Turquia na Aliança de Civilizações. Em todo o mundo, poderemos converter o diálogo em serviços Interfés, para que pontes entre povos possam levar a acções, quer sejam o combate à malária na África ou a prestação de assistência após um desastre natural.
A sexta questão da qual quero tratar é a dos direitos das mulheres.
Sei que há um debate sobre essa questão. Rejeito a visão de alguns no Ocidente de que uma mulher que opta por cobrir seus cabelos de alguma maneira goza de menos igualdade, mas acredito que uma mulher à qual é negada a educação tem sua igualdade negada. E não é coincidência que os países em que as mulheres são altamente instruídas têm muito mais tendência a serem prósperos.
Permitem que eu fale com clareza: as questões relativas à igualdade das mulheres não são, de maneira alguma, uma questão apenas do islão. Na Turquia, no Paquistão, em Bangladesh e na Indonésia já vimos países de maioria muçulmana elegerem uma mulher para liderá-los. Enquanto isso, a luta pela igualdade das mulheres continua em muitos aspectos da vida americana e em outros países pelo mundo fora.
Nossas filhas podem contribuir para a sociedade tanto quanto nossos filhos, e nossa prosperidade comum será favorecida por permitir a toda a humanidade, homens e mulheres, alcançar seu potencial pleno. Não acredito que as mulheres devam fazer as mesmas escolhas que os homens para serem iguais, e respeito as mulheres que optam por viver suas vidas cumprindo papéis tradicionais. Mas isso deve ser escolha delas. É por isso que os Estados Unidos formarão parcerias com qualquer país de maioria muçulmana para defender o aumento da alfabetização de meninas e para ajudar as mulheres jovens a buscar empregos através do microfinanciamento que ajuda pessoas a realizarem seus sonhos.
Finalmente, quero falar do desenvolvimento econômico e das oportunidades.
Sei que, para muitos, o rosto da globalização é contraditório. A Internet e a televisão podem trazer conhecimentos e informação, mas também sexualidade ofensiva e violência insensata. O comércio pode trazer novas riquezas e oportunidades, mas também perturbações enormes e mudanças em comunidades. Em todos os países, incluindo o meu, essas mudanças podem suscitar medo. Medo que, devido à modernidade, possamos perder o controle sobre nossas escolhas econômicas, nossa política e, o que é mais importante, nossas identidades--as coisas que mais prezamos em nossas comunidades, nossas famílias, nossas tradições e nossa fé.
Mas sei também que o progresso humano não pode ser negado. Não é preciso haver contradição entre desenvolvimento e tradição. Países como Japão e Coreia do Sul fizeram suas economias crescer ao mesmo tempo em que conservaram suas culturas distintas. O mesmo se aplica ao progresso espantoso verificado em países de maioria muçulmana, de Kuala Lumpur a Dubai. Na antiguidade e nos nossos tempos, as comunidades muçulmanas estiveram na vanguarda das inovações e da educação.
Isso é importante, porque nenhuma estratégia de desenvolvimento pode ser baseada unicamente no que brota da terra, nem pode ser sustentada quando jovens estiverem sem emprego. Muitos Estados do Golfo vêm desfrutando grande riqueza em consequência do petróleo, e alguns estão começando a focar o desenvolvimento mais amplo. Mas todos nós precisamos reconhecer que a educação e a inovação serão a moeda forte do século 21, e numa parte grande demais das comunidades muçulmanas ainda há escassez de investimento nessas áreas. Estou enfatizando tais investimentos em meu país. E, enquanto a América no passado focou o petróleo e o gás nesta parte do mundo, hoje procuramos um engajamento mais amplo.
Em relação à educação, vamos ampliar os programas de intercâmbio e aumentar as bolsas de estudos, como aquela que trouxe meu pai para a América, ao mesmo tempo encorajando mais americanos a estudar em comunidades muçulmanas. E vamos procurar estágios na América para estudantes muçulmanos promissores; vamos investir em estudos online para professores e alunos em todo o mundo, e criar uma nova rede online, para que um adolescente no Kansas possa comunicar-se instantaneamente com um adolescente no Cairo.
Com relação ao desenvolvimento econômico, vamos criar um novo corpo de voluntários empresariais para formar parcerias com contrapartes em países de maioria muçulmana. Este ano serei anfitrião de uma Cúpula sobre o Empreendedorismo, para identificar como podemos aprofundar os laços entre líderes empresariais, fundações e empreendedores sociais nos Estados Unidos e em comunidades muçulmanas em todo o mundo.
Com relação à ciência e tecnologia, vamos lançar um fundo novo para apoiar o desenvolvimento tecnológico em países de maioria muçulmana e para ajudar a transferir idéias para o mercado, para que possam gerar empregos. Vamos abrir centros de excelência científica na África, no Oriente Médio e no sudeste da Ásia; vamos nomear novos enviados científicos para colaborarem em programas que desenvolvam novas fontes de energia, gerem empregos verdes, digitalizem registros, purifiquem água e cultivem plantações novas. E estou anunciando hoje um novo esforço global em conjunto com a Organização da Conferência Islâmica, para a erradicação da poliomielite. E também vamos ampliar parcerias com comunidades muçulmanas para promover a saúde infantil e materna.
Todas essas coisas precisam ser feitas em parceria. Os americanos estão dispostos a unirem seus esforços a cidadãos e governos, organizações comunitárias, líderes religiosos e empresas em comunidades muçulmanas em todo o mundo, para ajudar nossas populações a buscarem uma vida melhor.
As questões que descrevi não serão fáceis de tratar. Mas temos a responsabilidade de nos unirmos em prol do mundo que buscamos: um mundo em que extremistas não mais ameacem nossos povos, em que as tropas americanas terão voltado para casa; um mundo em que israelitas e palestinianos estejam seguros em seus próprios Estados, e em que a energia nuclear seja empregada para finalidades pacíficas; um mundo em que os governos sirvam os seus cidadãos e em que sejam respeitados os direitos de todos os filhos de Deus. Esses são interesses mútuos. Esse é o mundo que buscamos. Mas só poderemos conquistá-lo juntos.
Sei que existem muitos muçulmanos e não muçulmanos que questionam se conseguiremos forjar este novo começo. Alguns estão ansiosos por alimentar as chamas da divisão e obstruírem o caminho do progresso. Alguns sugerem que não vale a pena--que estamos fadados a discordar e que as civilizações estão fadadas a entrar em conflito. Muitos mais simplesmente são cépticos quanto às possibilidades de ocorrer uma mudança real. Há tanto medo, tanta desconfiança. Mas, se optarmos por ficarmos presos ao passado, nunca avançaremos. E quero dizer isto particularmente aos jovens de todas as religiões, em todos os países: vocês, mais que ninguém, têm a capacidade de refazer este mundo.
Todos nós compartilhamos este mundo apenas por um momento breve no tempo. A questão é se vamos passar esse tempo focando aquilo que nos divide ou se vamos nos engajar em um esforço--um esforço sustentado--para encontrar terreno comum, para focar no futuro que buscamos para nossos filhos e para respeitar a dignidade de todos os seres humanos.
É mais fácil começar guerras do que encerrá-las. É mais fácil atribuir culpas aos outros do que olhar para dentro; enxergar o que é diferente nos outros do que identificar as coisas que temos em comum. Mas devemos escolher o caminho correcto, não apenas o caminho fácil. Existe também uma regra que está ao cerne de todas as religiões: que devemos fazer aos outros o que gostaríamos que os outros fizessem connosco. Essa verdade transcende as nações e os povos. É uma crença que não é nova; que não é negra, nem branca, nem parda; que não é cristã, muçulmana ou judaica. É uma crença que vibrou no berço da civilização e que ainda bate no coração de biliões de pessoas. É a fé em outras pessoas, e foi isso o que me trouxe aqui, hoje.
Temos o poder de criar o mundo que almejamos, mas apenas se tivermos a coragem de criar um novo começo, mantendo em mente aquilo que foi escrito.
O Sagrado Alcorão nos diz: "Ó humanidade! Nós os criamos homens e mulheres; e os criamos em nações e tribos para que vocês possam conhecer uns aos outros".
O Talmud nos diz: "A totalidade da Torá tem a finalidade de promover a paz".
A Bíblia Sagrada nos diz: "Abençoados sejam os que fazem a paz, pois eles serão chamados filhos de Deus".
Os povos do mundo podem conviver em paz. Sabemos que essa é a visão de Deus. Agora esse precisa ser nosso trabalho aqui na Terra. Obrigado. E que a paz do Senhor esteja com vocês.
Sem comentários:
Enviar um comentário